Vila da Barca: entre palafitas e desafios habitacionais na Amazônia
Belém (PA) – Aos 77 anos, Cleonice Vera Cruz, uma das moradoras mais antigas da Vila da Barca, observa as mudanças que cercam seu lar, um símbolo das tensões entre progresso e vulnerabilidade. A Vila da Barca, um dos maiores aglomerados urbanos de palafitas da América Latina, exerce um papel central na história de Belém. Situada às margens da baía do Guajará, a comunidade é um espaço onde a riqueza cultural do Pará contrasta com a precariedade habitacional. As casas de madeira, construídas sobre palafitas para evitar os alagamentos causados pela maré, revelam o dia a dia de seus moradores que, há quase seis décadas, enfrentam a realidade desafiadora da região.
Além das dificuldades enfrentadas por Cleonice, como as chuvas que invadem sua moradia, a Vila da Barca foi recentemente marcada pela tragédia: uma casa desabou, deixando uma família desabrigada e reforçando o risco estrutural que permeia a comunidade. “Quando o vento sopra, a casa balança. Ontem [17] choveu muito e a água entrou”, desabafa Cleonice, refletindo a apreensão que permeia a rotina dos moradores.
Essa realidade se torna ainda mais pertinente em um contexto onde a luta por moradia digna e a crise climática se entrelaçam. Durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece em Belém, a discussão sobre soluções climáticas se distancia da urgência de se abordar as condições de vida nas comunidades vulneráveis. “Estamos no meio do debate, mas falam pouco sobre as condições de quem mora sob as árvores”, critica Gerson Siqueira, presidente da Associação de Moradores da Vila da Barca. Ele destaca a negligência com a infraestrutura e serviços básicos, que afetam diretamente a qualidade de vida de seus habitantes.
Um estudo da organização Habitat para a Humanidade Brasil revelou que 66,58% da população residente em áreas de risco no Brasil é formada por negros, refletindo uma grave questão de desigualdade. “A maioria das pessoas que estão morando em área de risco é negra, de baixíssima renda”, acrescenta Raquel Ludermir, gerente de incidência política da ONG.
Na Vila da Barca, cerca de 600 moradias representam a luta diária de mais de mil famílias que compartilham o desejo de dignidade e segurança. Apesar das tentativas de melhoria, como as obras de saneamento iniciadas pela empresa Águas do Pará, ainda há um longo caminho a percorrer. Gerson Siqueira ressalta a necessidade de um conjunto habitacional adequado, e não apenas melhorias temporárias, para garantir a permanência das famílias na comunidade.
Retratos da comunidade
Maria Isabel Cunha, carinhosamente chamada de Bebel, é outro rosto que representa os desafios enfrentados na Vila. Mãe solo de dois filhos, um deles com deficiência, Bebel se vê numa constante luta para sustentar sua família. “O dinheiro que chega não dá para ajeitar a casa. Um emprego fixo seria bom, mas é difícil encontrar”, desabafa. Como muitos moradores, ela anseia por mais serviços públicos que ofereçam rede de apoio.
Imagens de uma vida cultural vibrante também surgem na Vila da Barca, onde as festividades tradicionais, como as festas juninas e o Círio de Nazaré, são expressões de resistência e união entre os moradores. Contudo, enquanto o Parque da Cidade se revitaliza com novos investimentos, a comunidade de palafitas clama por dignidade e atenção.
À medida que conclui seu relato, Cleonice traduz o sentimento coletivo: “Queremos viver aqui com dignidade”. A realidade da Vila da Barca continua a ser um ponto crucial no debate sobre as desigualdades habitacionais e a urgente necessidade de uma ação social que abrace as comunidades vulneráveis.
COP30: Vila da Barca, em Belém, expõe desafios da justiça climática
Fonte: Agencia Brasil.
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