7 de setembro de 2025
InternacionalDesumanização de imigrantes nos EUA é tema de livro de Jamil Chade

Desumanização de imigrantes nos EUA é tema de livro de Jamil Chade

A Desumanização do Imigrante nos EUA: Jamil Chade em Seu Novo Livro

O jornalista Jamil Chade, renomado correspondente internacional com 25 anos de atuação em Genebra, lança seu novo livro intitulado Tomara que você seja deportado: uma viagem pela distopia americana, que examina a desumanização dos imigrantes durante o governo de Donald Trump. Em uma entrevista exclusiva à Agência Brasil, Chade compartilha suas reflexões sobre como a era Trump não é apenas uma mudança de liderança, mas o reflexo de uma crise profunda na sociedade americana, que vive a desintegração do “sonho americano” e do “destino manifesto”.

Ao longo de sua pesquisa realizada entre 2024 e 2025, Chade percorreu milhares de quilômetros, visitando mais de uma dezena de estados e ambos os lados do muro que separa os EUA do México. Ele utiliza o termo “distopia” para descrever uma realidade assolada pela pobreza e a opressão, onde as promessas do capitalismo falharam e muitas cidades, como aquelas no Arkansas, se assemelham a cenários de abandono, comparáveis a áreas empobrecidas de países em desenvolvimento, como Bangladesh.

A desumanização dos imigrantes, que Chade detalha em seu livro, é apresentada como uma estratégia política que serve para retirar direitos e serviços básicos, justificando práticas como a deportação e o discurso xenófobo. “A desumanização não é um ato involuntário; é uma construção deliberada para legitimar o ódio e a exclusão”, afirma Chade. Ele destaca ainda como a desinformação se tornou uma arma poderosa, destacando o papel das redes sociais na construção de realidades alternativas, que permitiram ao antigo presidente manipular a opinião pública e desvirtuar a democracia.

Chade também reflete sobre a posição dos EUA na geopolítica atual, sublinhando que o Brasil é visto como “a joia da coroa” das ambições norte-americanas na América Latina. Para ele, o futuro da democracia no Brasil e a capacidade de resistência à influência dos EUA serão cruciais para a região, especialmente com as eleições de 2026 se aproximando. Este contexto reflete não apenas as tensões regionais, mas também a luta global por hegemonia entre potências como EUA e China.

Confira a íntegra da entrevista com Jamil Chade:

Agência Brasil: Em seu livro, você aborda a distopia da sociedade estadunidense. O que é essa distopia? O que está acontecendo com os EUA?

Jamil Chade: O fenômeno Trump, no fundo, é o resultado de uma crise existencial da sociedade americana. Ele não é a causa. O que eu vi nesse ano viajando por lá foi uma sociedade que vive o fim dos mitos do “sonho americano” e do “destino manifesto” que eram as bases daquela sociedade. Nesse contexto, o governo Trump tenta recuperar o que acredito que é irrecuperável: essa ideia de que não haveria nada que poderia deter aquele país. É uma tentativa, quase desesperada, de retomar uma hegemonia que já não existe mais. Só que as consequências disso tudo são muito dramáticas.

Agência Brasil: É aí que entra a distopia?

Jamil Chade: Exatamente. Essa distopia é esse momento em que esses mitos se desfazem. É a contradição de um sistema capitalista muito agressivo que deixa pessoas em um limbo, na pobreza, que acaba gerando um cenário distópico. O distópico não é só uma figura de linguagem. Cidades que eu visitei, por exemplo, no Arkansas, pareciam estar em um filme fantasmagórico. A cidade abandonada e empobrecida. Periferias de grandes cidades abandonadas com pessoas vivendo em uma situação econômica equivalente à de Bangladesh. Isso dentro dos EUA. Essa é a distopia que eu falo.

Agência Brasil: Você descreve o pânico e o medo dos imigrantes e cita a desumanização dessas pessoas. Qual a situação dos imigrantes nos EUA e qual o papel dessa desumanização no projeto político de Trump?

Jamil Chade: A palavra central é desumanização, porque quando você desumaniza o outro você tira justamente as obrigações que aquele Estado tem de prestar serviços e de garantir os direitos básicos. Afinal, ele já não é tão mais humano quanto os demais. A desumanização nos EUA dos imigrantes não é um ato involuntário, é deliberadamente construída para tirar direitos. Desumanizar é uma estratégia política para justificar deportação, xenofobia e racismo. Sempre digo que um genocídio não começa com o primeiro disparo, ele começa na desumanização. Você autoriza o ódio. E, no caso americano, é exatamente essa a situação.

Agência Brasil: Nos EUA, teorias da conspiração prosperam com facilidade, entre elas, destaca-se a negação da crise climática. Qual o papel da desinformação na ascensão de Trump?

Jamil Chade: As grandes empresas digitais têm o poder, basicamente, de criar realidades. Milhões de pessoas se baseiam não nos jornais, mas nas redes sociais para formar suas opiniões e depois votar. É como se a democracia tivesse sido hackeada. A desinformação não é um erro de apuração do repórter, não é um viés de um jornal. Desinformação é uma estratégia de poder, é uma estratégia de desmontar a realidade para levar o eleitor a chancelar outra realidade fabricada. É algo muito grave. Nos Estados Unidos, essa desinformação foi amplamente instrumentalizada para a vitória de Trump. O caso americano mostra que não há outra alternativa senão a regulamentação das redes sociais.

Agência Brasil: Por que a mídia empresarial não é capaz de barrar essa desinformação? A mídia pró-Trump, como a Fox News, participa dessa desinformação?

Jamil Chade: Eu digo que na eleição de 2024 a desinformação venceu. Venceu apesar de toda a operação da mídia tradicional em rebater, em fazer jornalismo, mas não foi suficiente porque a onda de desinformação aconteceu, em primeiro lugar, pelas plataformas digitais. Essa desinformação depois é chancelada pela imprensa tradicional pró-Trump, que dá um verniz de notícia. Toda aquela teoria conspiratória que faz aquele caminho tradicional da desinformação, dias depois, passa a ser notícia e ganha um status quase de verdade. Esse é o papel da Fox News e de outras mídias pró-Trump.

Agência Brasil: Trump usou a Guarda Nacional para intervir em estados e cidades controlados pelos democratas. Qual o objetivo dele com essas intervenções?

Jamil Chade: O primeiro objetivo é sinalizar que o governo federal pode intervir em cidades, em estados, dependendo do interesse do governo federal. Isso é muito grave. Outro objetivo é o da intimidação. Você coloca a Guarda Nacional nas ruas, que são militares, para intimidar todo mundo – o governador de oposição, a sociedade, os imigrantes. Todo mundo passa a estar ameaçado. O terceiro aspecto é, eventualmente, preparar para algum tipo de estado de sítio. Esses soldados estão ali conhecendo como funciona aquela cidade para, se for necessário, usar em um estado de sítio.

Agência Brasil: A pedido de Trump, o Texas alterou o desenho dos distritos eleitorais. Democratas dizem que a mudança beneficia os republicanos nas eleições legislativas de 2026 ao incluir, em distritos de maioria negra e hispânica, regiões de maioria branca. Isso não distorce a vontade popular?

Jamil Chade: Claro. O grande medo de Donald Trump, que está em jogo na eleição de 2026, é perder o Legislativo e o seu próprio projeto pode ficar ameaçado. Ele então já prepara uma alternativa que é mudar as regras do jogo. O problema não é o Texas, é o que isso sinaliza. Isso sinaliza que, se eu achar que vou perder, eu vou mudar as regras para continuar no poder. Isso, nem de perto, é democracia.

Agência Brasil: Como está a democracia dos EUA após esses oito meses de governo Trump?

Jamil Chade: Os instrumentos da democracia, entre eles a eleição, estão sendo usados para manter um grupo no poder. Ela não atende mais ao objetivo da democracia, que é dar o poder à população. Os instrumentos da democracia foram manipulados para que Trump chegasse ao poder. Uma vez no poder, eles transformam as leis, fazem um embate com o Judiciário, desmontam a liberdade de expressão de fato, porque eles não têm nenhum compromisso com a liberdade de expressão, muito pelo contrário.

Agência Brasil: No livro, você destaca que Trump tenta desmontar a ordem mundial erguida após a 2ª Guerra Mundial. Por outro lado, a cúpula da Organização pela Cooperação de Xangai colocou Índia, China e Rússia juntos. Esse movimento do eixo euroasiático ameaça a ordem mundial que Trump pretende criar?

Jamil Chade: Trump vê a ordem internacional criada após a 2ª Guerra não como obsoleta, mas como uma ameaça aos seus interesses. Ele quer desmontar essa ordem porque ela representa limites para o seu próprio poder. Essa velha ordem já morreu, sem dúvida nenhuma, o que nós estamos é na disputa da nova ordem.

Agência Brasil: Na América Latina, tem o aumento do cerco à Cuba, a ameaça de invasão da Venezuela, e o uso do suposto combate às drogas para interferir nos países da região. Como você avalia a posição da América Latina nesse contexto?

Jamil Chade: A América Latina está em uma encruzilhada muito profunda. A pressão americana é muito grande e vai ser cada vez maior. Eles fazem um cálculo muito claro de que nessa disputa por hegemonia com a China, a América Latina é deles. É o quintal deles que precisa ser recuperado. Eles também têm uma consciência muito grande de que não existe a recuperação da América Latina sem passar pelo Brasil. O Brasil é a joia da coroa. Não adianta ter influência no Paraguai, no Peru, no Equador, mas não ter influência no Brasil. Portanto, 2026 vai ser um momento chave, não só para a democracia brasileira, mas para a América do Sul.

Fotos: Jamil Chade em diversas etapas de sua jornada nos EUA. Créditos: Jamil Chade/Divulgação e Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Jamil Chade relata desumanização de imigrantes sob Trump em ‘distopia’

Fonte: Agencia Brasil.

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