A Exploração do Lítio no Vale do Jequitinhonha e Seus Impactos Sociais e Ambientais
No coração do Vale do Jequitinhonha, região nordeste de Minas Gerais, a exploração do lítio por empresas multinacionais tem gerado uma transformação silenciosa, mas impactante, na vida das comunidades locais. A planta de lavra de lítio, situada a poucos metros abaixo do solo, permanece quase invisível para quem passa pela BR-367, entre Araçuaí e Itinga. Entretanto, os moradores da comunidade rural Piauí Poço Dantas relatam uma realidade marcada pelo aumento da poeira, do barulho incessante e dos rejeitos que resultam da extração mineral. Ana Cláudia Gomes de Souza, pedagoga e residente do local, descreve o cenário preocupante que a sua comunidade enfrenta desde o início da intensificação da mineração em 2023. “O nosso córrego está sendo assoreado devido a essas pilhas de rejeito”, denuncia Ana Cláudia, ressaltando como a situação se agravou com a entrada de novas empresas na região.
O lítio, que tem se tornado vital na produção de baterias de íon-lítio e na geração de energia eólica, é investigado pelo Ministério de Minas e Energia como um “mineral crítico.” Essa classificação refere-se a recursos que são essenciais em setores estratégicos, mas cuja disponibilidade pode ser ameaçada por questões geopolíticas ou ambientais. Em 2023, a produção de lítio no Brasil aumentou 83,6%, com impactos significativos na arrecadação de royalties, que totalizou R$ 55 milhões, um aumento de 88,3% em comparação ao ano anterior. No entanto, essas receitas não têm sido sentidas pelas comunidades afetadas.
Impactos Diretos nas Comunidades
Os preocupantes relatos dos moradores destacam um ciclo de degradação ambiental que resulta em problemas de saúde pública. Uakyrê Pankararu-Pataxó, moradora da Terra Indígena Cinta Vermelha de Jundiba, também compartilha que as condições de saúde na região se deterioraram. Muitas pessoas enfrentam dificuldades respiratórias agravadas pela poeira gerada pela atividade mineradora. Além disso, o fenômeno do assoreamento dos rios, provocado pelas pilhas de rejeitos, é uma preocupação constante entre os habitantes locais.
A comunidade local não só enfrenta danos ambientais, mas também impactos sociais e culturais. O sentimento de invisibilidade e a fragmentação social, promovida pelas empresas, são questões ressaltadas por Uakyrê. A ausência de diálogos efetivos com as mineradoras piram essa preocupante realidade. Apesar da recomendação do Ministério Público Federal em Minas Gerais para a revisão das autorizações de pesquisa e lavra, as vozes da população local ainda se sentem sub-representadas.
A Visão do Governo e do Mercado
Em 2023, o governo mineiro lançou o programa Vale do Lítio, com o objetivo de atrair novos investimentos e fomentar o desenvolvimento da cadeia produtiva desse mineral estratégico. O programa já conseguiu captar R$ 6,3 bilhões e pretende gerar 4.897 empregos diretos. Contudo, questionamentos surgem sobre como esses recursos estão sendo utilizados para melhorar as condições de vida das populações afetadas. O governo afirmou que a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) alcançou R$ 38,5 milhões, sem responder claramente sobre os benefícios diretos para as comunidades.
A dinâmica de exploração no Vale do Jequitinhonha também evidencia um descompasso entre os ganhos econômicos e os impactos sociais e ambientais. Mesmo com o aumento significativo da arrecadação de tributos, como o Imposto sobre Serviços e o ICMS, a percepção da população é de que seus problemas não têm sido devidamente abordados nas políticas públicas da região.
Necessidade de Consulta e Diálogo
De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é essencial a consulta prévia e informada às comunidades antes da implementação de projetos que possam afetar suas vidas e suas terras. Entretanto, a falta de um canal efetivo de diálogo entre as mineradoras e as populações locais persiste, e os moradores se tornaram céticos relativamente às promessas de desenvolvimento econômico trazidas pela mineração.
O cenário em Araçuaí e Itinga ilustra um dilema que se repete em diversas regiões do país, onde a busca por recursos naturais, essenciais para a transição energética, muitas vezes se dá em detrimento do bem-estar das comunidades locais. Ao mesmo tempo em que há uma crescente responsabilidade em garantir a exploração sustentável e ética desses recursos, os moradores do Vale do Jequitinhonha clamam por reconhecimento e diálogo, na esperança de que seus direitos e modos de vida não sejam apagados no processo de mineração.
Procuradas pela reportagem, a Sigma Lithium e a Agência Nacional de Mineração (ANM) não forneceram, até o momento, respostas sobre as ações para mitigar os impactos mencionados pelas comunidades afetadas. O espaço para posicionamento das empresas segue aberto.
Vale do Lítio: exploração de metais críticos impacta comunidades em MG
Fonte: Agencia Brasil.
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